terça-feira, 5 de julho de 2016

Só(nho)

Estava a andar numa rua, rodeado de pessoas, com os auscultadores nos ouvidos e decidi parar. Senti a cidade à minha volta. As pessoas dentro dos carros com pressa de chegar ou com pressa de sair; os jovens que passavam nos mexericos do costume (não muito diferentes das velhotas sentadas na esplanada de um café a criticarem a indumentária das moças dos dias de hoje); os homens de fato sempre com o telefone erguido numa conversa monótona com outros homens de fato, também de telefone erguido, mas noutra rua; as mães de mãos dadas com os filhos e filhas de tenras idades, que tentam fugir para perseguir os pombos, que estão ocupadas com o planeamento dos jantares para o resto da semana; e eu. Absorvia toda esta vida que não era minha e parei para pensar que vida era a minha. Fechei os olhos e inspirei fundo. Cheirei a cidade e senti o aroma a sarjeta, a poluição e a flores de primavera. Por fim, tirei os auscultadores dos ouvidos e ouvi a vida. O para-arranca dos carros, as buzinas, os passos dos apressados e o som das jóias no pulso da rapariga que passou por mim; as discussões entre as mães e os filhos e o riso das velhotas na esplanada. Todos estes aromas e estes sons eram da vida dos outros. Quais eram os meus? Voltei a colocar os auscultadores e continuei de olhos fechados, respirei fundo e deixei- me cair para trás.

Acordei deste sonho ainda menos vivo do que estava quando dormia. Porque é que me sinto mais acordado a dormir, mesmo que nos sonhos a vida não pareça ser minha? Afinal de contas, em que realidade é que eu estou vivo e não passo de uma ideia? Eu já não me sinto eu. O sorriso da pessoa que está nas minhas fotografias é o de alguém que está vivo, mas eu agora olho-me ao espelho e não vejo mais esse sorriso, não vejo mais essa pessoa. Já não vejo o bem das pessoas em primeiro lugar. A frustração está a devorar a esperança que tenho na humanidade, até na minha própria humanidade! Com que propósito posso eu viver sem ser amar? Amar é aquilo que nos permite viver! Mas eu não me sinto mais capaz de amar. Não amo nem a vida... Mas porquê? Como posso eu estar neste constante estado de dormência quando não existem motivos para tal? Como posso ser egoísta ao ponto de fazer parar o mundo para que eu possa pensar?

Isto não passa de um sonho, de um pesadelo, algo passageiro que no futuro não passará de uma memória incompleta. Mas só por ser um sonho, ou uma memória com falhar será menos real? Afinal... que sabemos nós sobre o que é real?