quinta-feira, 29 de junho de 2017

Etiqueta

«Hoje somos soldados!» Esta mensagem ecoa no inconsciente da gente que se dirige à sua campa diariamente. A moda atual de alimentar o racional que há em nós com esteroides provocam uma cadeia de inoportunos acontecimentos que nos levam a glorificar os génios do raciocínio, os quase robôs que são alienígenas emocionais quando comparados ao tão criticado «comum mortal».
Tal triste cadeia começa com um sentimento clássico predominante na alta sociedade que desconsidera o «lamechismo» do romantismo que ressurge das cinzas do renascimento. Porém, sendo este um produto de um prévio renascer de ideais, partes significantes das essências que se encaixam no espírito humano foram-se perdendo no meio de tantas quedas e reconstruções.
Considerando isto, eu penso que se perdeu, em parte, a essência do bom-senso e, para grande desgosto meu, a paixão pelo equilíbrio. Esta faísca rapidamente tornada labareda de adorar e idolatrar aqueles cujas emoções são mínimas e, se necessário, inexistentes fomentou o crescimento da ideia oposta, em que tudo deve ser sentido, pensado e dramatizado, como um ultrarromântico genuíno.
O contraste claro entre estas duas «filosofias de vida» criou, quase que obrigatoriamente, um limbo entre elas, uma «terra de ninguém», onde ninguém quer nem se atreve a estar.
Como o espaço de encontro entre estas duas correntes de pensamento e ação é, teoricamente, inabitável, quando conhecemos um outro ser humano, ou até quando enveredamos num processo de auto-conhecimento,  procuramos colocá-lo (ou colocarmo-nos) numa das duas «caixas» já referidas.
Isto dificulta bastante a vida a quem, ao fim ao cabo, é compreensivo, sente e gosta de sentir, do mesmo modo que pensa e aprecia pensar. Para os loucos que se atrevem a afirmar ser um pouco de cada extremo, estando, assim, fora das «caixas», para esses, está reservada uma vida de injustiças por parte daqueles que insistem em rotulá-los com apenas uma etiqueta de cartão.
Imaginem vocês que, quando se olham ao espelho se veem verdes e se sentem bem sabendo que, na vossa essência, são um pouco de azul e outro tanto pouco de amarelo. Seria ridículo imaginar, no meio de uma multidão de gente azul, ver um «parolo» de verde ou, para não parecer parcial nesta analogia, seria igualmente ridículo ver, no meio de uma multidão de gente amarela, ver um «chico-esperto» de verde.
Por que é que é necessário ver o mundo, basicamente, pelos olhos de um louco que vê «malta» às cores para entender que tentar criar caixas cada vez maiores para colocar pessoas que, se forem espertas, passam a maior parte do tempo a tentar ver o que está fora da sua caixa, é uma atitude puramente ridícula e uma perda de tempo.
Se até nas peças de roupa, em que as etiquetas são necessárias, elas são irritantes e nós nos queremos ver livres delas, para quê insistir em etiquetar cada um de nós.
Peguem lá numa tesoura ou afiem esses dentes e soltem-se das vossas etiquetas.

domingo, 25 de junho de 2017

Ritmos novos

No coração,
não houve ritmo por um momento.
Sempre que surge, em memória,
mística e corpórea,
o toque de tua mão na minha,
dos teus lábios nos meus,
de suspiros partilhados,
no peito os músculos estão parados.

No coração,
bateu num novo ritmo por um momento.
Hoje confesso, foi um novo sentimento,
saber que sonho acordado,
em dormir contigo a meu lado.
Não é algo para fantasiar,
apenas algo que me faz pensar,
pois nesta impossível realidade,
de sonhos perdidos e abandonados,
surge uma nova meta por que lutar.
Agora... valerá a pena batalhar?

No coração,
deixo de pensar por um momento.
Ele está livre pela primeira vez,
não deixando espaço para porquês.
Sinto-me possuído pelo medo
de sentir demasiado e muito cedo.
Contudo, isso não irá acontecer,
sentido só será o merecido,
não me perderei  procurando pensar
em algo tão belo como este apaixonar.

Faz-me rir pensar assim.
Olhar para o espelho e ver-me, a mim,
livre sentindo algo sem pensar,
se será o correto ou se tenho de ir devagar.
Com isto não digo que me sinto mergulhado em paixão,
apenas sei que à indiferença digo não,
deixa-me mostrar-te quem sou debaixo da razão,
sem a máscara de sabichão.
Estas rimas de nada servem para quem quer sentir,
são prova do pensamento a invadir,
da dúvida semeada a surgir,
do medo a conquistar e a dividir.

 Contudo, no coração,
o ritmo ganhou nova vida por um momento.
Não vale a pena fugir, eu já nem tento...

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Agora é assim

A forma como todos nós nos deixamos enfeitiçar pelos outros é, simultaneamente, hilariante e deprimente. A crença num momento inevitável de contacto com um outro ser humano que vê o mundo de um modo compatível com o nosso ou até a fé em conhecer alguém com quem a vida passa a fazer mais sentido do que a morte é, da sua maneira peculiar, ingénua e extremamente sábia (mesmo que tal seja paradoxal, aliás, principalmente por isso).
O sonho recorrente de uma vida a dois é algo que ocupa as noites de qualquer pessoa, contudo, quando esta realidade se aproxima lembramo-nos de que estar sozinho, independente e livre é que é bom! Aqui está o problema! Nós associamos o compromisso espiritual, emocional e carnal com alguém com uma fusão de dois indivíduos que se tornam um só, deixando de terem direito (e dever!) de serem dois indivíduos. É raro o caso em que ambos os membros de um casal têm noção de que, ocasionalmente, o egoísmo é a maior fonte de altruísmo e amor que existe! Passo a explicar: o egoísmo que nos permite criar e evoluir o nosso próprio ser, que nos permite escrever a nossa própria história é o mesmo egoísmo que nos fornece as ferramentas para ajudar, amar, entreter, acariciar, apoiar, etc. o/a nosso/a parceiro/a. O autoconhecimento proveniente do egoísmo da introspeção e do investimento no «eu» é uma importante fonte de compreensão face aos problemas e às dificuldades que a pessoa que amamos está a ultrapassar ou ultrapassou. Reconhecer que existe parte de nós que é tão profunda e tão abstrata que não pode nem deve ser partilhada também permite reconhecer essa caraterística nos outros.
A ideia do Romantismo de Amor como linguagem própria entre dois seres, linguagem esta que não é falada nem escrita (pois os verdadeiros românticos creem num mundo em que um casal não necessita de comunicar relativamente aos problemas que enfrenta, pois existe uma harmonia de tal modo perfeita no verdadeiro amor que tudo se resolve na eventualidade regida pelo tempo), só prejudica os amantes modernos. Todos nós que hoje em dia amamos, neste mundo de velocidades loucas, de comunicação supérflua constante via redes sociais e de controlo perpétuo da localização de cada um, do culto da desconfiança e da mentira, todos nós que somos vítimas deste mundo que, de certa forma, é cruel para o amor, procuramos, neste lindo sentimento, um refúgio de toda a complexidade da realidade que nos rodeia, acreditando, erradamente, que o amor deve ser simples, constante e pacífico. O Amor é, a meu ver, a construção maior de qualquer vida. Quem escolhe construir um compromisso baseado no Amor é, para mim, alguém corajoso, pois eu vejo o Amor como algo cujos alicerces são confiança, respeito, preocupação e admiração. É uma fusão de sentimentos.
Toda esta ideia é ridícula e hilariante, pois eu estou a racionalizar algo que, na prática, faço por instinto! Porém, prefiro definir as minhas ideias, direcionando os meus instintos, visto que não posso esperar uma donzela em apuros quando não sou nenhum príncipe encantado.

sábado, 10 de junho de 2017

Nevoeiro Caseiro

Nevoeiro caseiro,
fumo que embacia a vista
mas aclara a mente,
deixa-me ver tudo em pensamento,
deixa-me compreender verdadeiramente.
Risos e histórias contadas à volta da mesa,
olhares partilhados,
magia do silêncio.
Compreensão obtusa,
algo demais,
mas não a mais,
algo confuso por ser novo,
por ser diferente,
por me deixar aqui,
assim, tão perdidamente,
perdido, mas indo à descoberta,
entrando pela porta, sem saber se é a certa.
Deixei-me disso,
de procurar certezas,
essa é uma obsessão que só traz tristezas.
Baseio-me agora noutra filosofia,
aquela de quem respeita e confia,
deixando ao acaso certo de cada um,
a reciprocidade do incomum.
Volto a mim,
na sala esbranquiçada,
vejo a tua face meio que apagada,
olhas para mim e dizes-me com um sorriso:
«Rapaz, dás-me cabo do juízo»
O normal seria «panicar»,
porém não larguei o meu olhar,
vi respeito e confiança nesse espelho,
que para os outros é baço,
mas que para mim é reconfortante,
tal como um abraço.
Sei que não preciso de ter algo para dizer,
a partir daqui é mais algo por fazer,
agir, contribuir, fazer-te sorrir,
essa é a certeza que me fazes sentir.