quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Amigo

Tal sombra, surge a meu lado,
está sempre ele disfarçado,
sabendo o que vai acontecer.

Sabe mais do que o fado,
joga com um dado viciado,
esconde a mão de todos os que querem ver.

Perco-me na névoa e nas gotas,
procuro-me em folhas soltas,
encontro-me ao adormecer.

Soturna é a sua casa,
este monstro alado sem uma asa,
que de mim tudo quer ter.

Abro-lhe a porta calmamente,
convido-o a entrar,
pois mais vale amá-lo eternamente
que para sempre o odiar.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Copo

Ergo o copo só.
Olho curioso para o seu fundo.
Olho-me nos olhos.

Deixo o copo voltar para a mesa.
Seco os lábios,
Pergunto-me o que diz o olhar que vi.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Do inferno para ti

O eco vazio da noite ouve-se
por todas essas negras ruas
onde hoje reinam os flashes
e outrora reinavam porcos e mulheres nuas.

Julgamos a civilização antiga,
absorvemos a sua podridão,
lavamos a putrefação de fora,
mas o espelho reflete o velho chão.

Celebramos a noite que vai longa,
sem mais medo dela ter,
bebemos hoje para imitar
imitar o que os outros tentavam esquecer.

Procuramos o instinto,
fugindo metodicamente à razão,
refugiamo-nos em copos e filtros,
evoluímos para a desumanização.

Perdi a fé em todos,
até já a perdi em mim,
pois o presente desta vida é
nascer e morrer neste inferno sem fim.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Beijo

A sedução e o encanto que entre as pessoas são assuntos delicados. Tudo pode ser resumido a simples sinapses, a ligações nervosas no cérebro do ser humano, porém, considero essa uma explicação demasiadamente redutora quando consideramos relações humanas.
O olhar intriga inicialmente, sendo a visão o sentido que mais nos liga ao mundo que nos rodeia, perseguimos o outro com a nossa atenção matreira, tentando descodificar um pouco da sua natureza. Observamos o comportamento, enfeitiçamo-nos  com o que vemos e deixamo-nos levar, muitas vezes, pela ilusão criada.

Contudo, quando, num momento intenso, o toque toma lugar, podemos desligar qualquer outro sentido e somos absorvidos na futura memória de uma troca de sensações. O melhor exemplo disso mesmo é, para mim, o beijo. Fechamos os olhos, desligando-nos do mundo e a nossa realidade passa a ser apenas aquilo em que os nossos lábios tocam. A verdadeira magia ocorre quando os nossos lábios tocam noutros. O corpo reage por inteiro ao suave toque salivado e nada mais nos interessa sem ser aquele momento.  A harmonia perfeita conseguida entre as duas pessoas, que trocam pedaços do seu ser, comunicando sem nada dizer, apenas materialização o encanto e a paixão sentida leva-nos para  uma dimensão estranha. A sedução toma controlo de nós e contamos uma história em passos simples. A narrativa intensifica-se quando os personagens deixam de ser apenas os lábios, a respiração profunda aumenta a tensão e o toque entre mãos levam a um clímax que se desenlaça na despedida entre bocas. Se o encanto persistir, uma nova história é criada e a cada beijo mostramos mais de nós - a intensidade, o ritmo, a dinâmica, a complexidade do beijo acabam por refletir parte de nós, num momento de fragilidade em que partilhamos e dançamos a dança da sedução com um terceiro.

A banalidade do beijo contrasta com a sua importância e com a sua dimensão, pois com ele se percebe os fundamentos da relação. A sensibilidade do beijo é o modo como expõe quem o dá, as suas intenções, o seu sentimento - se é fervoroso e intenso ou vazio e desligado. Ele comunica sem falar, ele ensina sem forçar.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O Terror do Não

Sobre cada risco por nós tomado está implícito o receio de um «Não». A possível rejeição assombra a antecipação de um momento, de uma questão, de uma confissão ou até de um simples ato.

A meu ver, este medo tem o seu expoente máximo nas questões amorosas. A justificação para tal passa pela intensidade do sentimento em questão - o desejo de ser aceite ganha proporções de tal modo épicas que a decisão de nos abrirmos desse modo a outra pessoa acaba muitas vezes por tornar toda a narrativa formulada nas nossas mentes numa aventura credivelmente protagonizada por Ulisses. Quando somos confrontados com essa rejeição o nosso mundo desaba e a tendência é transformar o «Não» em combustível para a destruição do amor-próprio. Nesse momento, a pessoa que nos rejeita sobe a um pedestal e nós engrandecemos a nossa pequenez, desvalorizamo-nos e apenas encontramos justificações para a tal rejeição que nos culpabilizam e nos fazem sentir insuficientes para agradar a pessoa em questão. Porém, se pararmos para pensarmos nos momentos em que somos nós do lado oposto da rejeição, é-nos facilmente percetível que dizemos «Não» sem desvalorizar o outro ser, apenas sabemos que essa pessoa não faz parte dos nossos planos do mesmo modo que nós fazemos parte dos planos dela. Esta consciência é essencial para apaziguarmos a dor e para conseguirmos aceitar o sucedido.

Apesar de sermos tomados pelo medo da rejeição, é fulcral ter em mente a aceitação. Já Stendhal afirmava no século XIX «Sempre uma pequena dúvida a acalmar, eis o que faz a sede de todos os instantes, eis o que constitui a vida do amor feliz. Como o receio nunca o abandona, os seus prazeres não podem nunca entediar.», ou seja, apesar de termos o receio sempre presente, é necessária a confiança no «Sim» para conseguirmos agir de forma natural ao longo da nossa vida. Se nos considerarmos seres meramente rejeitáveis, a rejeição fará parte até da compreensão do nosso próprio ser, seremos, até para nós, não merecedores de um «Sim». A aceitação do próprio é um passo inicial para a confiança na iniciativa com terceiros. Quando nos aceitamos, o receio passa a ter apenas o papel que Stendhal descreve: é uma fonte de prazer no amor, é o leve receio de rejeição que nos motiva para o constante melhoramento e para o incessante esforço de amar e fazer por ser amado.

Assim, o «Não» acaba por ser visto de vários modos, sendo que apresentei aqui dois deles - um extremamente pessimista e indexado à miséria ao estilo de Schopenhauer; outro seguindo a visão de Stendhal, onde o receio dá força e não o contrário.

domingo, 15 de outubro de 2017

Bip noturno

Ouço a vibração na madeira da cabeceira,
abro um olho cansado e estendo a mão.
A luz que pisca revela momentaneamente parte da minha mão,
eu esqueço o vibrar por um tempo e contemplo esta magia.
Apenas parte de mim é visível, contudo,
eu projeto o restante da minha mão na minha mente.
Do mesmo modo que eu projeto expetativas relativamente ao vibrar,
também projeto a minha ideia de mão no escuro da noite.
Eu rodo a mão, continuando a ver apenas parte da mão,
mas desta vez outra parte do mesmo todo.
Esta parte desilude-me face ao que eu projetara anteriormente e,
como mero paralelismo poético,
decido desiludir-me relativamente ao vibrar.
Pego no telemóvel e descubro a razão do meu acordar.
Uma mensagem espera ser lida.
Eu, ansiosamente espero que a mensagem seja uma resposta,
particularmente entusiasmada face a uma notícia por mim dada do passado dia.
Poucos segundos passam até a concretização da desilusão.
As minhas expetativas frustradas por algo tão mundano como um mensagem...
Esta é uma triste realidade.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Migalhas

Curioso como ele surge...
sem avisar, sem sequer um sinal dar.
De impossível definição ele é,
pois só pode ser sentido,
mas eu vou tentar explicá-lo
mesmo estando meio perdido.

É um par de cabelos presos no canto da boca,
que lhe embelezam o sorriso.
É a concentração esforçada quando o sono já aperta.
É a bondade de caráter demonstrada na forma de chegar,
é um abraço sentido dado a disfarçar.
Um olhar profundo que tudo esconde, mostrando tudo,
aquele que repele todos e me diz: «desvenda-me».
Sonhar e saber sofrer de modo igual,
é ter medo de ser-se total.
É largar migalhas na esperança que perceba o caminho,
é enganar a todos profundamente.

É diferente nos outros que estão enganados,
os que de coração são limitados.
Para lá da beleza é difícil de ver,
é a sua forma de se defender.

Menina bonita,
que estás a fazer?
Sabes que eu te vejo a sofrer?

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Confiança

O que é a confiança? Este conceito é utilizado de forma vulgar, sem que nos apercebamos do seu verdadeiro significado. Neste caso,refiro-me à confiança nas relações interpessoais.

No contexto a que me refiro, a confiança pode ser compreendida como a fé que se deposita em alguém, ou seja, a crença de que o que sabemos sobre determinada pessoa é verdadeiro, permitindo-nos, após a existência de tal coisa, agir de modo diferente. Para mim, a confiança é um dos pilares essenciais numa relação entre dois seres humanos, é a sua existência que permite a alguém demonstrar as suas fragilidades e expor os seus pensamentos mais difíceis de aceitar. Assim sendo, a confiança serve quase de «catalisador mágico», desbloqueando em nós a vontade e o «à vontade» para, por sua vez, sermos verdadeiros com os outros.

Porém, se analisarmos com atenção esta sequência de acontecimentos, é a demonstração de confiança, ou melhor, a demonstração de verdade que nos permite confiar e proceder à exposição do nosso verdadeiro ser. Tal situação forma um ciclo falacioso, pois para se sermos verdadeiros (confiar), necessitamos de provas de verdade (sermos confiados). Como se estabelecem relações humanas constantemente entre novas pessoas, um dos intervenientes da relação quebra inicialmente o ciclo para que este possa, posteriormente, existir. Com isto em mente, pretendo apenas levantar algumas questões para as quais não tenho resposta devido ao caráter individual das mesmas. Tu és capaz de confiar primeiro? O medo de sair frustrado após uma má decisão em confiar impede-te de o fazer? Como lidas com quebras de confiança numa relação?

domingo, 8 de outubro de 2017

Silêncio

Silêncio...
Já não se faz silêncio.
Como o posso reencontrar?
Os aviões aterram em vez de voarem,
Os carros travam em vez de nos levarem,
As luzes apagam-se em vez de nos guiarem,
Eu fico a ouvir...
Esperando a desilusão,
Chegando esta a mim,
Exatamente porque não me desiludi.

Silêncio...
Nunca quis tanto o silêncio.
Só com ele ouço o respirar,
o cabelo a deslizar para a frente dos olhos,
o sorriso a nascer no teu semblante.
O ruído mascara o teu ser.

Silêncio...
Como tê-lo perto de ti?
Quero ver o teu olhar atento quando não há nada para ouvir.
Quero saber que ouves quando a minha boca abrir.
Quero poder pensar sem me sentir exposto.
Quero tanta coisa querendo só silêncio.

Silêncio...
Será que neste nada também nasce alguma coisa?
Já não se faz silêncio.
Porém, ainda se pode procurar.
Só preciso de companhia para o partilhar.

sábado, 16 de setembro de 2017

Inspirações

As minhas musas do pensamento vadio,
Sem propósito, sem casa onde habitar,
São todas essas que me fazem sonhar em plena vida, em pleno dia a passar.
Um perfume, um toque,
Um riso, um olhar,
Pequenos acasos que me tornam a inspirar.
Acasos incompletos,
Que não me conseguem satisfazer,
Até que a derradeira musa acabe eu por conhecer.
Uma fusão destes acasos que apadrinham a perfeição,
Não sendo contudo aborrecidos,
Sendo divinamente banais,
Aí está a sua magia,
Na capacidade de trazer a noite após o dia.
Elas não conhecem o meu olhar admirador,
Não sabem que sonho quando um pequeno acaso,
Que deliro quando este se acompanha com um par,
Mas não sabem, principalmente,
O que deverei sentir
Caso todos os acasos se acabem por reunir.
Uma inspiração épica me há de esperar,
Uma que me faça viver,
Em vez de escrever e de sonhar.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Tempo

A nossa conceção da vida e do próprio universo é feita com base em 4 dimensões que formam duas grandezas: o Tempo (que assume uma só dimensão) e o Espaço (composto, na nossa ideia dele, por três dimensões).

Nós assumimos o Espaço como um tecido tridimensional maleável e em constante mudança, um produto do momento inicial (Big Bang) e que se encontra em progressiva expansão. Apesar da capacidade de transformar o espaço de infinitos modos, a singularidade do sentido da expansão espacial tem como consequência a restrição do próprio Tempo. Esta grandeza é-nos apresentada muitas vezes como fluído, em que o passado, o presente e o futuro são apenas instantes que podem ser analisados como que uma célula num laboratório e que, no fundo são parte intrínseca a algo muito maior. Embora esta seja muitas vezes a noção considerada do Tempo, este comporta-se, aos nossos olhos, como um raio de luz que se desloca do ponto A para o ponto B. à semelhança do raio de luz, a viagem é feita de tal modo rapidamente que aparenta ter sido sempre uma ponte estacionária entre os dois extremos.

Contudo, esta perceção só é possível para quem assiste de fora, pois para os que se encontram na ponta do raio de luz, o passado é conhecido e o futuro é um mistério. Esta realidade irrequieta-nos enquanto seres mortais, pois o futuro, sendo imprevisível, incontrolável e desconhecido, torna-se tenebroso. A dolorosa realidade torna o processo de tomada de decisão um momento de ansiedade. A responsabilidade que assumimos ao escolher algo em detrimento de outra coisa é devastadora para muitos. Quando somos crianças, estamos protegidos dessa responsabilidade, visto que quase inconscientemente, os adultos nos protegem da maioria das grandes escolhas. Isso permite às crianças suportar o sonho e a imaginação. Esses processos tornam-se obsoletos com a idade pois a necessidade de escolher nos obriga a tornar as opções o mais realistas possível para serem toleráveis. No fim de contas, a visão do tempo como um caminho a ser constantemente desvendado vai matando a criatividade de cada um. A ideia de uma grandeza temporal tão ou mais maleável que a grandeza espacial é incompreendida pela maior parte das pessoas não por falta de capacidade, mas por falta de imaginação. Isto leva-me a pensar que devemos aprender com as crianças, não perdendo essa capacidade de criar novos caminhos no fluído temporal, não como forma de fugir à realidade, mas sim como forma de a entender melhor.

O Tempo quando é tomado como algo não linear faz surgir novas oportunidades para criar e imaginar, dá-nos liberdade para desenhar o futuro de um modo tão realista como o passado, pois a consciência que temos do passado não passa de uma memória que pode ser mais fraudulenta e ter mais lacunas que um momento inteiramente produto da nossa imaginação.

Por último, esta conceção do Tempo permite contemplá-lo como contemplamos o Espaço, ou seja, usando o irracional. Do mesmo modo que nos permitimos ser absorvidos numa paisagem sem a necessidade de raciocinar acerca de toda a razão pela qual a paisagem é como é, apreciando somente a sua beleza, também a visão do Tempo enquanto fluído dinâmico e não estático nos permite admirar a beleza de um momento enquanto passa de um sonho futuro para um momento no presente e, posteriormente, uma memória do passado, nunca estando, portanto, inatingível, para sempre e sempre presente no manto do Tempo.


terça-feira, 29 de agosto de 2017

Combate

As batalhas do quotidiano perdem-se facilmente no fluído temporal, sem que o seu propósito e até o seu desenlace seja compreendido ou até reconhecido como tal. Lutamos mais contra o próprio ser sem que tenhamos noção dessas demanda do que efetivamente contra as crenças ou ações dos outros. A facilidade em transpor as nossas inseguranças e problemáticas para os outros fomenta o conflito e deteriora os relacionamentos já edificados e as novas e efémeras interações com outros nossos semelhantes.
Para facilitar a interiorização desta minha teoria imagina uma criança a brincar com um balão. Se esse balão, por acaso do surgimento de uma brisa inesperada ou por pura distração tão típica do jovial ser, lhe escapar das mãos e se perder no horizonte, a pobre criança irá sofrer com essa perda. A dor e a frustração que essa mesma criança poderá sentir como produto dessa perda não será direcionada para aquele momento, mas sim para o momento seguinte de interação (possivelmente com a mãe ou pai). Nesse momento, a criança acabará por estar birrenta, sendo insubordinada e recorrendo por excelência ao instinto para agir (mais ainda do que já é natural numa pessoa de tenra idade). Tal situação descreverá uma sequência de maus comportamentos por parte da criança, nomeadamente ao nível do choro e dos gritos. Os chamados de adultos são pouco diferentes. A raiva originada nas pequenas frustrações da vida é expelida em momentos de encontro com o que nos é familiar e que acaba por nos dar conforto para demonstrar a faceta mais irracional do nosso ser. Nesses momentos, eu apelo à compreensão mútua em relação às vulgares «birras». Esta atitude compreensiva deve partir do interlocutor da pessoa raivosa, tendo a capacidade de aceitar que o comportamento atípico do seu conhecido não tem por causa necessária uma ação ou ideal seu, mas também por parte da pessoa frustrada, reconhecendo posteriormente que cometeu uma injustiça ao entregar os seus sentimentos de revolta a quem nada tem que ver com eles.
Deste modo, é diário o combate que alguém ciente dos seus sentimentos tem em relação aos momentos corretos para libertar as suas «raivas». Todos este processo não deve ser tomado por leve e é uma habilidade de mestria dificílima, contudo, torna-se numa importante ferramenta para manter a saúde das relações que estabelecemos entre nós, permitindo-nos melhor ajuizar quem e que coisas nos causas essas mágoas.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

A.A.: Arte Agora

Como um pianista,
que molda a melodia,
que constrói a harmonia
pressionando aquelas teclas
mecanicamente batidas de alma nos dedos,
também um escritor,
que molda o léxico,
que constrói um mundo,
pressionando a ponta da caneta
mecanicamente fluindo na folha de papel.

Um profana as escalas,
outro ridiculariza a sintaxe.
Ambos cientes que,
da sua loucura,
arte será o produto.

Um grava o próprio som,
outro agrafa as folhas soltas.
Um ouve o seu devaneio,
outro lê o seu sonho.
Ambos choram e gritam,
rasgam e partem
na fúria da crítica mais severa de todas.

Sempre insatisfeitos,
cometem a maior loucura,
tornam o que fora seu de todos.
À mercê dos abutres,
dos vários caçadores,
deixam de ser donos do próprio trabalho.

Um espera ser ouvido e trauteado,
outro espera ser lido e citado.
Ambos esperam escapar das amarras da morte,
ambos procuram fugir ao esquecimento.

Após o choro e a raiva,
surge a pequena esperança
que alimenta os pobres artistas
sem lhes dar comida.

O tempo padrasto não para,
não esperando que o fruto amadureça
continua até à época de colheita.
Os nossos dois sonhadores,
agora desprovidos da sua liberdade,
da independência que tanto aclamavam,
esperam só os aplausos e os sorrisos.

O tempo continua sem parar,
o pianista anda pelas aldeias a falsear,
o escritor passa a escrever postais,
já nenhum deles consegue sonhar mais.
O choro e a raiva vencem a esperança,
já nem o diabo lhes concede uma dança,
fecham-se num quarto em plena escuridão
e dizem adeus lembrando apenas o nosso «Não!»

domingo, 6 de agosto de 2017

Desilusão, no fundo, é aprender

A desilusão por si só não nos traz nada a não ser o sofrimento que a acompanha. Uma análise desatenta a um momento em que nos sintamos desiludidos não enriquece de modo algum o nosso ser, aliás, apenas contribui para o estímulo do já mencionado sofrimento. Afinal de contas, como surge esta desilusão? É um desengano, uma deceção, uma disparidade entre o esperado e projetado e a realidade. O fosso entre aquilo que imaginámos e o que acabou por se tornar real é a fonte de sofrimento, resultante de uma frustração por nós mesmos termos falhado nesta previsão, mas que se traduz numa raiva e numa tristeza direcionada para algo ou alguém. A desilusão é tão poderosa que é um medo típico o de desiludir os outros, principalmente aqueles que nos são próximos, o que apenas acrescenta ímpeto ao pessimismo alimentado pela desilusão que nós sentimos e fazemos sentir.

Apesar de, em primeira análise, a desilusão ser vista como macabra ou produto inquestionavelmente disfórico da realidade, após apreciação de todo o momento que envolve a tal desilusão, é possível considerá-la como uma oportunidade gritante de aprendizagem. Uma desilusão surge, na sua essência, de uma idealização de determinado evento ou pessoa, uma criação de expetativas improváveis ou até incompatíveis com o mundo real que acabam por ser «deitadas por terra». É nesta mesma essência que surge o primeiro possível momento de aprendizagem. O instante criativo em que nós elaboramos um conjunto de expetativas é a raiz do problema. Como tal, um dos primeiros passos para utilizar a desilusão como algo também positivo é tentar procurar os aspetos em que a elaboração das expetativas falhou e o porquê de tal ter acontecido. Uma precaução necessária neste processo é não deixar que este comportamento se torne metodicamente obsessivo, pois isso só promoverá ainda mais futuras desilusões (e até motiva desilusões no que toca a este momento de introspeção, quando o processo se afigura mais complexo do que o que era esperado).

Outro dos aspetos que nos pode ensinar bastante é o facto de, após estabelecidas as nossas expetativas, a nossa ação torna-se prisioneira dessa conceção imaginada da realidade, levando à adoção de uma postura derrotista quando as expetativas moldam um real cético de felicidade ou à adoção de uma postura pautada pelo excesso de confiança quando elaboramos uma realidade pintada de cores primaveris para nós. Esta prisão comportamental é fonte de ainda maior frustração e sofrimento quando a desilusão surge, pois existe uma desconexão entre a pessoa que agiu em todo o processo que levou à desilusão e consequente sofrimento e a pessoa que, verdadeiramente, somos (ou imaginamos ser, pois aqui também entram as questões das expetativas em relação a nós mesmos, mas sobre isso deves tu que lês pensar). Com isto em consideração, devemos sempre ter em conta o modo como as nossas expetativas podem moldar o nosso comportamento e tentar analisar as situações em que nos encontramos de modo a não deixar que as nossas ações pertençam a um de dois extremos (excesso de confiança ou a tal postura totalmente derrotista).

Sendo que já foram analisados dois momentos da construção de uma desilusão: as expetativas que se comportam como sementes mal plantadas e os constrangimentos comportamentais que afunilam todo o percurso que precede a desilusão, está na altura de, por fim, falar de como é possível aprender quando no cenário pós-apocalíptico que sucede a desilusão. A partir do momento em que o sentimento de desilusão invade o nosso corpo e a nossa mente, é costume optarmos por um de dois caminhos. Em determinadas ocasiões, o negativismo de toda a situação toma as rédeas do nosso raciocínio e inicia-se a culpabilização. A atribuição de culpa, quer a nós mesmos quer a outras pessoas por um momento de desilusão é, na grande maioria dos casos (atenção que é fulcral ter isto em mente, não é na totalidade dos casos), uma grande falácia por nós cometida. Este tipo de comportamento só enaltece o sofrimento sentido de forma totalmente desnecessária, sendo, portanto, quase que um modo de não confrontar a realidade que levou à tal desilusão através de uma justificação errada do decorrer dos acontecimentos. Em situações diferentes, procedemos através da negação da realidade em que nós nos desiludimos. Como as nossas expetativas foram frustradas, a nossa conceção do real não corresponde ao mundo em que habitamos e essa diferença é causadora de sofrimento, optamos (inconscientemente) pela não aceitação dos factos. Tal cenário, apenas reprime as emoções que são naturais surgirem com a desilusão, nomeadamente, a frustração, a raiva e a tristeza. Com base nestes desenlaces, podemos aproveitar o momento de desilusão para nos confrontarmos com a realidade, tanto a tangível como a intangível, nomeadamente ao nível dos nossos sentimentos. Estes momentos são ideais para sentir com naturalidade as emoções que geralmente acumulamos, assim como, de forma cuidadosa, podemos servimo-nos do nosso racional para transformar uma ocasião de copo meio vazio numa possível lição de copo meio cheio sobre os nossos pensamentos, as nossas emoções, as nossas motivações e os nossos valores.

No fundo, os episódios de desilusão estão presentes na vida de qualquer um de nós, sendo que a tarefa difícil é transformá-los em momentos memoráveis pela aprendizagem em relação ao nosso ser e não só pelo sofrimento incalculável que tal nos proporcionou.


quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Coincidências: magia real

Hoje quero desenvolver o misterioso tema das coincidências. Dependendo da perspetiva que temos em relação ao determinismo nas nossas vidas, as coincidências ganham ou perdem relevância. Se as nossas crenças se inclinarem mais para o determinismo, as coincidências são apenas um resultado curioso de uma linha de ação ou de acontecimentos pré-estabelecida. Caso acreditemos que temos uma maior liberdade e autonomia em relação às nossas vidas, a história é outra.

As coincidências, no segundo caso, acabam sempre por adquirir um lado mágico, algo que as faz parecer impossíveis, quando, na verdade, são situações altamente improváveis. Estas tais situações marcam-nos de tal forma que chegam a moldar o percurso das nossas vidas. Por exemplo: numa história de amor simplificada, uma mulher entra num café e senta-se a beber um café com gelo e sem açúcar enquanto relê o seu romance favorito; no mesmo café, numa mesa à frente desta mulher, encontra-se um homem que está a ler o mesmo livro e a beber o café do mesmo modo; quando ambos reparam um no outro consciencializam-se da coincidência que é aquela situação que dá início a uma relação para toda a vida. Claro que esta história é uma forma excessivamente romantizada de uma coincidência comum, mas serviu o seu propósito de demonstrar como estes episódios nos podem «trocar completamente as voltas».

Para além de poderem ser vistas como catalisadores de mudança, as  coincidências podem, também, ser consideradas a fonte de muito sofrimento. O mero acaso que pode levar à morte de alguém ou um outro acaso que leve ao surgimento de uma paixão unilateral são sementes de um sofrimento profundo, pois não existe uma causa compreensível para tal catástrofe e, como tal, nenhum agente culpabilizável que possa aliviar a dor.

Apesar do pessimismo que espelhei na minha abordagem até este momento, as coincidências são, contudo, altamente celebráveis. O mero acaso que levou a, na imensidão de um universo, existir vida num pequeno planeta «azul» é de louvar, ou ainda outras coisas que nos são mais próximas como a coincidência que é nós termos evoluído de modo a conseguirmos combinar emoções com pensamento racional e, principalmente, a magia que existe em encontrarmos, entre mais de 7 mil milhões de seres humanos, pessoas para amarmos durante toda uma vida.

Claro que as coincidências são igualmente capazes de nos trazer tanto alegria como tristeza, mas é no fator surpresa que está a sua magia.

sábado, 22 de julho de 2017

Pureza: aspiração a perfeição e fonte de perdições

«Consideramo-nos puros enquanto desprezarmos aquilo que não desejamos», frase de Marguerite Yourcenar.

Para quê a constante demanda pela pureza? Seja qual for a forma que esta assume, cada um de nós, em algum ponto da nossa vida consciente já procurou (ou ainda procura ou procurará) alcançar pureza. A pureza é assumida como um fim, um estado ao qual nós, ou parte de nós, chega sem que seja necessária posterior mudança. A partir do momento em que a pureza é «nossa» deixamos de desejar, desprezando assim tudo aquilo que, por sua vez, deixa de ser desejado.

O desprezo aqui surge de um sentimento de superioridade concretizado através da noção de que a pureza é o mais próximo que temos da perfeição (se não é que partilham ambas da mesma essência) e que, por isso, tudo o resto, que não mais desejado por ser, obviamente, desnecessário, é-nos inferior, não merecendo qualquer réstia de compaixão e compreensão, restando-lhe apenas o desprezo.

Contudo, este mesmo desprezo assinala, exatamente, a chegada à «meta», o que nos leva a concluir, erradamente, que nada mais existe para lá da nossa pureza. Esta triste situação não nos deixa qualquer outra opção senão conformarmo-nos com o nosso estado perpétuo de estagnação. Se tal acontece, o que sucede o fim desta demanda? A resposta mais evidente é,  certamente, nada. Que mais existe para ambicionar se toda a existência que não é nossa é por nós desprezada? Aqui está o problema da pureza.

É com base em todo este processo que eu acredito que a pureza, enquanto aspiração/ parte do conceito de perfeição acaba por ser uma fonte de perdições, acaba por se transformar em algo vil. A procura pela pureza é, no entanto, naturalmente humano, resultado da perceção da própria imperfeição da vida e prova concreta da natureza ambiciosa da nossa espécie (este é o único conforto que retiro desta realidade).

Assim, em vez de responder de forma perfeita à questão que coloco no início deste meu raciocínio (pois isso ser-me-ia impossível), eu opto por apresentar uma possível solução para o problema da necessidade de pureza nas nossas vidas. Eu proponho a renúncia à estagnação, principalmente de pensamento. Este é o maior corolário da procura pela pureza ou pela perfeição, quando as possuímos paramos. Se é para estarmos parados, para quê existir? Uma atitude moderadamente cética combinada com uma insaciável curiosidade é, a meu ver, o modo idealmente imperfeito de impedir a queda na sofredora cruzada pela inalcançável pureza.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Ceticismo Moderado

À nossa volta é constantemente celebrada a união romântica entre duas pessoas, tomando como premissas para tal união (muitas vezes) tempos mal escolhidos e razões insuficientes para uma mente mais ativa. Passo a explicar: todos nós podemos reconhecer que as várias formas de arte nos bombardeiam com inúmeros casos de amores conseguidos na adolescência. Tal situação era bastante comum até há poucos anos atrás, contudo, o conceito de aldeia global também se começa cada vez mais a se fazer aplicar às relações. Poucos são os casos de amor sucedido hoje em dia e que se iniciou no tão conturbado período das nossas vidas que é a puberdade, sendo que, para sermos coerentes com a nossa minuciosidade na análise, muitos dos casos de sucesso amoroso que tem o seu ponto de partida na primavera das nossas vidas são casos de pessoas que nem sabem quem são. Este último ponto que destaquei merece uma atenção especial, isto porque, para quem é adepto da arte de pensar e, sobretudo, da introspeção e autoconhecimento, é fácil perceber que existe um  leque considerável de indivíduos que se refugia no seu parceiro para não se confrontar com o seu próprio ser. Quanto mais me debruço sobre esta matéria mais me convenço que é inevitável para a esmagadora maioria das pessoas optar por um parceiro para a vida que não é quem lhe traz a maior felicidade possível (atenção, felicidade não num sentido utópico e idealista, mas como amálgama de sentimentos eufóricos que são contingentes a determinado ponto no espaço-tempo). Como pode alguém esperar que sinta Amor por alguém se não o sente por si mesmo, ou pior, se se ama erradamente. Tendo isto em mente, não sei o que é pior: não se conhecer ou conhecer-se erradamente!
Mas afinal de contas, para que serve toda esta teorização de algo que nos é instintivo e que nos acompanha desde os nosso primórdios? Bem, na minha conceção da vida, a pressa de alcançar esta união amorosa é tentadora, contudo, se eu não souber quem sou nem souber que a minha homóloga sabe quem é, tenho a certeza que estou a deixar inexplorada muita felicidade.
Toda esta atitude faz com que eu aparente cético em relação ao Amor, contudo, isso apenas seria verídico se as minhas considerações sobre o tema terminassem aqui. O processo de que falo de introspeção é incessante e eterno, pois nós estamos em constante mudança. Mas assim não seria impossível encontrar alguém que nos maximizasse a felicidade? Seria, se refutássemos constantemente todo o conhecimento que alcançámos em relação a nós mesmos. Todavia, eu creio que certos valores, ideais, pilares do nosso ser são constantes no nosso ser e são esses que devem auxiliar na nossa busca pela felicidade, principalmente quando buscamos um novo tipo de felicidade, com outra pessoa.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Etiqueta

«Hoje somos soldados!» Esta mensagem ecoa no inconsciente da gente que se dirige à sua campa diariamente. A moda atual de alimentar o racional que há em nós com esteroides provocam uma cadeia de inoportunos acontecimentos que nos levam a glorificar os génios do raciocínio, os quase robôs que são alienígenas emocionais quando comparados ao tão criticado «comum mortal».
Tal triste cadeia começa com um sentimento clássico predominante na alta sociedade que desconsidera o «lamechismo» do romantismo que ressurge das cinzas do renascimento. Porém, sendo este um produto de um prévio renascer de ideais, partes significantes das essências que se encaixam no espírito humano foram-se perdendo no meio de tantas quedas e reconstruções.
Considerando isto, eu penso que se perdeu, em parte, a essência do bom-senso e, para grande desgosto meu, a paixão pelo equilíbrio. Esta faísca rapidamente tornada labareda de adorar e idolatrar aqueles cujas emoções são mínimas e, se necessário, inexistentes fomentou o crescimento da ideia oposta, em que tudo deve ser sentido, pensado e dramatizado, como um ultrarromântico genuíno.
O contraste claro entre estas duas «filosofias de vida» criou, quase que obrigatoriamente, um limbo entre elas, uma «terra de ninguém», onde ninguém quer nem se atreve a estar.
Como o espaço de encontro entre estas duas correntes de pensamento e ação é, teoricamente, inabitável, quando conhecemos um outro ser humano, ou até quando enveredamos num processo de auto-conhecimento,  procuramos colocá-lo (ou colocarmo-nos) numa das duas «caixas» já referidas.
Isto dificulta bastante a vida a quem, ao fim ao cabo, é compreensivo, sente e gosta de sentir, do mesmo modo que pensa e aprecia pensar. Para os loucos que se atrevem a afirmar ser um pouco de cada extremo, estando, assim, fora das «caixas», para esses, está reservada uma vida de injustiças por parte daqueles que insistem em rotulá-los com apenas uma etiqueta de cartão.
Imaginem vocês que, quando se olham ao espelho se veem verdes e se sentem bem sabendo que, na vossa essência, são um pouco de azul e outro tanto pouco de amarelo. Seria ridículo imaginar, no meio de uma multidão de gente azul, ver um «parolo» de verde ou, para não parecer parcial nesta analogia, seria igualmente ridículo ver, no meio de uma multidão de gente amarela, ver um «chico-esperto» de verde.
Por que é que é necessário ver o mundo, basicamente, pelos olhos de um louco que vê «malta» às cores para entender que tentar criar caixas cada vez maiores para colocar pessoas que, se forem espertas, passam a maior parte do tempo a tentar ver o que está fora da sua caixa, é uma atitude puramente ridícula e uma perda de tempo.
Se até nas peças de roupa, em que as etiquetas são necessárias, elas são irritantes e nós nos queremos ver livres delas, para quê insistir em etiquetar cada um de nós.
Peguem lá numa tesoura ou afiem esses dentes e soltem-se das vossas etiquetas.

domingo, 25 de junho de 2017

Ritmos novos

No coração,
não houve ritmo por um momento.
Sempre que surge, em memória,
mística e corpórea,
o toque de tua mão na minha,
dos teus lábios nos meus,
de suspiros partilhados,
no peito os músculos estão parados.

No coração,
bateu num novo ritmo por um momento.
Hoje confesso, foi um novo sentimento,
saber que sonho acordado,
em dormir contigo a meu lado.
Não é algo para fantasiar,
apenas algo que me faz pensar,
pois nesta impossível realidade,
de sonhos perdidos e abandonados,
surge uma nova meta por que lutar.
Agora... valerá a pena batalhar?

No coração,
deixo de pensar por um momento.
Ele está livre pela primeira vez,
não deixando espaço para porquês.
Sinto-me possuído pelo medo
de sentir demasiado e muito cedo.
Contudo, isso não irá acontecer,
sentido só será o merecido,
não me perderei  procurando pensar
em algo tão belo como este apaixonar.

Faz-me rir pensar assim.
Olhar para o espelho e ver-me, a mim,
livre sentindo algo sem pensar,
se será o correto ou se tenho de ir devagar.
Com isto não digo que me sinto mergulhado em paixão,
apenas sei que à indiferença digo não,
deixa-me mostrar-te quem sou debaixo da razão,
sem a máscara de sabichão.
Estas rimas de nada servem para quem quer sentir,
são prova do pensamento a invadir,
da dúvida semeada a surgir,
do medo a conquistar e a dividir.

 Contudo, no coração,
o ritmo ganhou nova vida por um momento.
Não vale a pena fugir, eu já nem tento...

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Agora é assim

A forma como todos nós nos deixamos enfeitiçar pelos outros é, simultaneamente, hilariante e deprimente. A crença num momento inevitável de contacto com um outro ser humano que vê o mundo de um modo compatível com o nosso ou até a fé em conhecer alguém com quem a vida passa a fazer mais sentido do que a morte é, da sua maneira peculiar, ingénua e extremamente sábia (mesmo que tal seja paradoxal, aliás, principalmente por isso).
O sonho recorrente de uma vida a dois é algo que ocupa as noites de qualquer pessoa, contudo, quando esta realidade se aproxima lembramo-nos de que estar sozinho, independente e livre é que é bom! Aqui está o problema! Nós associamos o compromisso espiritual, emocional e carnal com alguém com uma fusão de dois indivíduos que se tornam um só, deixando de terem direito (e dever!) de serem dois indivíduos. É raro o caso em que ambos os membros de um casal têm noção de que, ocasionalmente, o egoísmo é a maior fonte de altruísmo e amor que existe! Passo a explicar: o egoísmo que nos permite criar e evoluir o nosso próprio ser, que nos permite escrever a nossa própria história é o mesmo egoísmo que nos fornece as ferramentas para ajudar, amar, entreter, acariciar, apoiar, etc. o/a nosso/a parceiro/a. O autoconhecimento proveniente do egoísmo da introspeção e do investimento no «eu» é uma importante fonte de compreensão face aos problemas e às dificuldades que a pessoa que amamos está a ultrapassar ou ultrapassou. Reconhecer que existe parte de nós que é tão profunda e tão abstrata que não pode nem deve ser partilhada também permite reconhecer essa caraterística nos outros.
A ideia do Romantismo de Amor como linguagem própria entre dois seres, linguagem esta que não é falada nem escrita (pois os verdadeiros românticos creem num mundo em que um casal não necessita de comunicar relativamente aos problemas que enfrenta, pois existe uma harmonia de tal modo perfeita no verdadeiro amor que tudo se resolve na eventualidade regida pelo tempo), só prejudica os amantes modernos. Todos nós que hoje em dia amamos, neste mundo de velocidades loucas, de comunicação supérflua constante via redes sociais e de controlo perpétuo da localização de cada um, do culto da desconfiança e da mentira, todos nós que somos vítimas deste mundo que, de certa forma, é cruel para o amor, procuramos, neste lindo sentimento, um refúgio de toda a complexidade da realidade que nos rodeia, acreditando, erradamente, que o amor deve ser simples, constante e pacífico. O Amor é, a meu ver, a construção maior de qualquer vida. Quem escolhe construir um compromisso baseado no Amor é, para mim, alguém corajoso, pois eu vejo o Amor como algo cujos alicerces são confiança, respeito, preocupação e admiração. É uma fusão de sentimentos.
Toda esta ideia é ridícula e hilariante, pois eu estou a racionalizar algo que, na prática, faço por instinto! Porém, prefiro definir as minhas ideias, direcionando os meus instintos, visto que não posso esperar uma donzela em apuros quando não sou nenhum príncipe encantado.

sábado, 10 de junho de 2017

Nevoeiro Caseiro

Nevoeiro caseiro,
fumo que embacia a vista
mas aclara a mente,
deixa-me ver tudo em pensamento,
deixa-me compreender verdadeiramente.
Risos e histórias contadas à volta da mesa,
olhares partilhados,
magia do silêncio.
Compreensão obtusa,
algo demais,
mas não a mais,
algo confuso por ser novo,
por ser diferente,
por me deixar aqui,
assim, tão perdidamente,
perdido, mas indo à descoberta,
entrando pela porta, sem saber se é a certa.
Deixei-me disso,
de procurar certezas,
essa é uma obsessão que só traz tristezas.
Baseio-me agora noutra filosofia,
aquela de quem respeita e confia,
deixando ao acaso certo de cada um,
a reciprocidade do incomum.
Volto a mim,
na sala esbranquiçada,
vejo a tua face meio que apagada,
olhas para mim e dizes-me com um sorriso:
«Rapaz, dás-me cabo do juízo»
O normal seria «panicar»,
porém não larguei o meu olhar,
vi respeito e confiança nesse espelho,
que para os outros é baço,
mas que para mim é reconfortante,
tal como um abraço.
Sei que não preciso de ter algo para dizer,
a partir daqui é mais algo por fazer,
agir, contribuir, fazer-te sorrir,
essa é a certeza que me fazes sentir.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Transporte Coletivo

Estamos todos no mesmo autocarro com uma infinidade finita de gente sentada em lugares imaginários. Quem entra no autocarro pela primeira vez depara-se sempre com o dilema esfíngico de escolher um lugar isolado ou de se sentar junto a alguém. Vamos particularizar.
Um Tipo entra no dito autocarro e olha à sua volta, assistindo a incontáveis relações a serem criadas entre estranhos que, ao acaso, se sentaram um ao lado do outro. A par desses pares, o Tipo depara-se também com enésimos sujeitos isolados nos seus lugares. A consciência de tal facto só lhe trouxe mais fogo à fogueira do seu pensamento. Começou a tecer uma rede de ideias que entrelaçava com base no seguinte: ao entrarmos no autocarro, invejamos quem já tem par, sonhando em ter um lugar próprio, mas dividido com outro alguém; desprezamos também quem está isolado, julgando que só estão isolados porque a sua companhia não é ou não fora aliciante; assim, chegamos a uma encruzilhada, em que temos de optar entre tomar o lugar desocupado à beira de um outro Tipo que já foi como nós, ou criamos um novo lugar isolado, uma nova imagem para ser julgada.
O nosso primeiro Tipo concluiu, assim, que só ansiamos companhia pois é masoquista a ideia de ficar só. Contudo, quem opta por ficar só, já o faz graças aos seus medos: o de ganhar consciência de que é diferente de quem se senta ao seu lado ou de ser igual!
Ser igual é um castigo amável... perder a individualidade é um preço que alguns estão dispostos a pagar para se sentirem aceites, compreendidos, amados e elogiados. Mas ser diferente... oh... ser diferente é mais complexo! Ninguém nos garante que a nossa diferença é boa, pois depende da perspetiva de cada um e a nossa perspetiva nunca é a melhor, apesar de ser a única que nos dá algum grau de certeza. Procuramos certezas na vida, não reconhecendo que é em não ter certezas que está a chave para sermos nós! Sem certezas, a confiança e segurança surgem apenas de uma coisa, cuja palavra que a define tem vindo a ganhar má reputação - fé!
Conceber uma viagem neste autocarro em que o nosso estado de acompanhado ou isolado se vai alterando é inconcebível para a grande maioria das mentes que ficam fechadas nesta caixa de metal. Se se lembrassem de olhar mais vezes pela janelas, perceberiam que ainda há muito caminho para percorrer e que assumir a diferença até que alguém nos acompanhe, assumindo, por sua vez, a sua diferença, ou até que nós decidamos ir conhecer a diferença do outro, só seria uma forma de tornar toda esta viagem memorável.
Com tudo isto, voltemos então ao nosso Tipo.Por toda esta indecisão, deu por si num lugar sem companhia.  Como assumiu a sua própria diferença decidiu levantar-se e procurar em toda a infinidade finita de gente que estava no autocarro, uma outra pessoa que assumisse a diferença que a carateriza. Não se sentou durante um tempo, mas todo este tempo criou memórias de pares unidos por razões pouco sólidas, suscetíveis a serem quebradas a cada nova paragem.
A sua viagem chegou ao fim e ainda não tinha encontrado ninguém diferente, mas foi ao sair que se cruzou com a pessoa certa. Agora, o nosso Tipo já faz viagens na companhia de alguém, alguém que conhece tantos os seus medos como as suas vontades. Tendo fé de que ambos quererão sair sempre na mesma paragem.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Escala quebrada

«Sentencio todo o sentimento proveniente destes sons a ser puro!». Esta promessa que eu fiz a mim mesmo quando os meus dedos se afundaram entre duas daquelas teclas brancas e pretas. Inocente era eu por não saber que assim entrei numa espiral de mágoa e alegria, da qual só me libertarei quando o meu coração se deixar de ouvir.
As melodias da minha evolução criam marcas mais profundas no meu agir do que na memória. A sensibilidade desenvolvida permite-me entender algo que não é dito por palavras,  posso conhecer de olhos fechados, de mãos atadas e ouvidos cerrados, basta sentir. O dó que vibra em cada um de nós, sendo que cada um sol faz de si algo para lá do que em mi tenho, mas que mesmo assim, o ré e o fá são as peças que eu encaixo livremente, sabendo que algo ficou por dizer, mas nada por sentir.
O pé não me sai do pedal e eu paro no tempo, aproveitando cada segundo de inércia como se fosse a sua própria eternidade. Por mais que o pé permaneça a fundo, tudo acaba por se desvanecer, deixando-me no silêncio, somente com a memória da harmonia que outrora retirou o tempo de mim e me levou para um espaço onde eu estava só com o tudo que existia e o nada que faltava existir.
Aceito o presente que o tempo me deu e levanto o pé do pedal, para o voltar a colocar com o mesmo peso de anteriormente, agora com novas notas a ecoar no espaço-tempo que manipulo ao sentir tudo aquilo que não é dito nem feito, não é nada sendo tudo!
Toda esta espiral de mágoa por ver o fim e de alegria ao estar no início é produto de tua causa!
Só um louco fala sem nada dizer e age sem nada fazer, mas é nessa linguagem que me pedem que eu viva. Esperam que a palavra não passe de um artifício supérfluo em toda a nossa realidade. Porém, a palavra só existe na realidade que é nossa, não podendo ser considerada um adereço descartável, tal e qual a vida de cada um dos nossos dias. A palavra é mais que isso, é o som com o sentimento direcionado, é uma nova magia que surge das cinzas da que a precedeu. É música sentida e descrita, é o pináculo da humanidade, a distinção da besta do belo.
Temos o poder de falar, de combinar o sentir com o pensar. Temos a responsabilidade de não deixar que se extinga a música que vagueia no ar.

domingo, 14 de maio de 2017

Culto pagão

Um templo de colunas erguidas
Troncos marmóreos do progresso.
Fruto do culto da transformação do meio
e da paixão pela rigidez.

Colunas que não cedem,
nem na guerra contra o mestre tempo.
Mães de filhos que vieram a ser,
sem dúvida, vigas de metal.

Exatamente com a tal.
Filha de todo este culto,
eternamente cercada pelos pilares,
para lá dos quais eu sou somente um vulto.

Um vulto que dança ao vento.
Filho de um templo diferente,
nascido do ventre atento,
fruto da raiz natural.

Um galho.
Despido de folhas na primavera da vida,
contra-natura, não é?
Seria, se não fosse um galho caído.

Os galhos cedem, sabias?
Não são como os alicerces desse templo,
 sustentam apenas um templo natural,
um que se rege pelo mestre tempo.

Cedi uma vez, para bem dessa gente,
auxiliei na agricultura do não ceder, cedendo.
É que quem é galho tudo sente.
E eu, que galho sou, fui sentindo e morrendo.

Caído no chão brevemente empedrado
está o tal galho tantas vezes quebrado,
tentando ser naturalmente forte, resistindo,
acabando por ser apenas mais um indo.

Ninguém se lembra dos galhos que caem das árvores,
Mas as palavras escritas no seu papel já são recordáveis.
Mais ainda ficarão na memória as virtudes dos fortes pilares,
aqueles que nem no nunca vão pelos ares.

O galho cai na esperança de ser dois ou três,
deixando sempre o fado para o tempo,
para toda a natureza decidir.
No meio de tanta incerteza, para quê cair?

Por alguma razão, não cair é visto como progresso,
não ser a vida assim é o que peço,
mas que mais pode pedir um simples galho,
um braço destinado para sempre a cair.

Por entre as colunas vês o galho a ceder,
o vulto que te surge na vista livremente a cair.
Diz-me então o que te faz sentir!
Saber que do lado de lá está tudo a morrer.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Carris

As rodas mecanizadas do comboio embalam as duas caixas de metal para o meu destino e a tua mente para o sonho.
Tu repousas entre rodilhas de casacos, malhas e cachecóis na esperança de uma almofada e respiras fundo.
Estamos os dois sozinhos na carruagem, tirando aquele senhor um pouco a meu lado e um pouco atrás de mim, de cabelo negro carvão e tez encarnada de uma vida de copos vazios. Porém, ele não passa de uma sombra na vinheta da minha visão focada no lugar onde te senta.
Pareces tão pacífica...
Calma improvável neste berço da velocidade, da efemeridade, do culto do ter tudo do ser nada!
A tua beleza orgânica liberta-me desta prisão de metal.
Qual progresso?! Se isto é progresso, eu quero o regresso... a  casa.
Ah! A minha casa... cada vez mais distante, cada vez mais perdida na memória e nos sonhos trazidos pelos tambores dos mecanismos modernos.
Vou convidar-te para um café e uma tarde de conversa. Pode ser que me ensines a chamar a tudo isto de casa.

domingo, 23 de abril de 2017

Algo de novo a Oeste

A brisa do oeste trazia consigo o perfume do mar, mas não só.
Trazia, também, a misteriosa harmonia das ondas a bater nas rochas aos meus pés.
A noite cerrada, em vez retirar magia a toda a experiência, só me permitiu ouvir e cheirar com mais atenção. A frescura da maresia batia-me no rosto e eu inspirava a sentir-me livre e a lembrar-me de ti.
Abri os olhos e observei o manto de pirilampos colados no eterno azul da última fronteira.
Toda esta escura paisagem acendeu uma luz em mim, como que o fogo olímpico, sagrado, que assumia a forma de Héstia, tornando todo o ambiente selvagem numa nova casa.
Contudo, não me sentia completo, faltava-me algo para estar em paz.
Uma estrela cadente atravessou o firmamento e apercebi-me de que faltava uma estrela, mas não uma distante, uma que eu queria a meu lado, como uma eterna luz para o meu caminho, fazendo desse caminho não meu, mas nosso.
Esta noite fez-me sonhar acordado, fez-me sentir saudade de algo que nunca tive, mas que quero ter.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Novo Tempo

Tique-taque
o tempo a passar,
não o sinto,
não o vejo,
mas sofro e não minto.

Tique-taque
o tempo a passar,
tu do lado de lá do relógio.
Eu tento sair para te alcançar
e percebo que não paro de andar,
a cada tique, eu faço taque
e tenho medo que isto me mate.

Tique-taque
o tempo a passar,
tudo é igual outra vez.
Espero que depois de um taque não venha um tique,
ou depois de um tique um taque,
mas sempre me desiludo
e não me minto, eu sofro.

Tique- taque
o tempo a passar,
tu a andares por aí.
Tão segura de ti, sem noção do tempo
que invisto a pensar em ti.

Tique-taque
o tempo a passar,
o pensamento em nada muda.
Continua a surgir, a cada momento,
sempre o mesmo puro sentimento.

Tique-taque
o tempo a passar,
eu já a perder a corda...
espero que tragas um novo tempo para mim,
um em que eu não morra.

Taque-tique
mudou o tempo para mim.
Graças a ti,
tudo o que pedi,
está perto de ser realizado.

O tempo já é sempre diferente,
sou livre para sonhar!
Mais importante que isso,
é que para mim o tempo vai ser para te amar.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Livros

E se eu dissesse que as pessoas são livros? Não seria uma ideia inovadora, mas talvez a minha perspetiva seja um pouco diferente.
É assim, nós temos pessoas na nossa vida que nos encantam e, de certa forma, nos hipnotizam em graus diferentes. Bem, tal é semelhante a uma história.
Hoje quero falar, portanto, de duas histórias, dois livros que me marcaram recentemente e dos quais falo emocionalmente.
O primeiro livro é uma história um pouco trágica, em dois sentidos. Esta história deixou-me agarrado logo a partir da capa apelativa e da sinopse brilhante que estava na contracapa. Li o primeiro capítulo e toda a tragédia que se desenvolvia deixava-me mais intrigado, esta trágica história tinha imenso potencial para vir a ser uma narrativa inesquecível, contundo... tal como seria de esperar comigo, deparei-me com uma triste realidade. Aquilo  que eu pensava ser o primeiro capítulo de uma grande obra, era a totalidade de um conto cheio de falhas que não consigo completar, com um final apressado e que me deixou a desejar algo diferente. Esta é uma história, mais triste, mas necessária no processo de desenvolvimento de um leitor.
O segundo livro é especial. Estes momentos descrevem todo o processo que fez com que este se tornasse o meu livro favorito, mesmo antes de o ter acabado de ler. Começa então tudo assim: já namorava há vários tempos este livro na prateleira da minha livraria favorita, ele era diferente, a capa apelava até ao mais distraído dos mortais, mas havia uma promessa que parecia chegar só a mim de que era bem mais do que isso, era, de facto, uma obra de arte.
Todo este processo demorado pouco andou durante uns anos, até que uma amiga minha me falou desse tal livro que me aparecia ocasionalmente em sonhos e me encorajou a lê-lo, nem que fosse só o primeiro capítulo. Eu mão me sentia preparado para um investimento tal, mas arrisquei e a partir do momento em que li as primeiras palavras já todas as letras desta história são mágicas. Eu li o primeiro capítulo e senti que eu mesmo fazia parte da história, que poderia ser mesmo real nesse mundo imaginado. Tudo se ia desmoronando quando estava prestes a acabar o primeiro livro, a história estava assustadoramente perto de acabar e eu dei por mim a descobrir que não se tratava de um livro isolado, mas sim de uma infinita saga de histórias e aventuras para me encantar.

domingo, 12 de março de 2017

Vampiros

Erro.
Desvio do bom caminho.
Quebra de uma norma.
Atitude reprovável.
Resultado de uma compreensão deficiente do real.
Todas estas palavra me levam a uma ideia - erro.
Porquê?
Quem sou eu para dizer que algo ou alguém é um erro?
Ninguém... eu sou ninguém.
Os vampiros que vejo a vaguear pelas ruas de dia alimentam-se destes tais de erros.
Só que, para fins cómicos, preferem alimentar-se dos erros dos outros.
Mas que erros são estes?
Para mim podem ser não erros.
Nas ruas em que os vampiros se alimentam só vejo um raio de luz de vez em quando.
O meu reflexo nas montras afasta os vampiros que procuram as sombras dos dias.
Todos tentam fugir deles, mas o cheiro do Erro trilha o caminho dos famintos.
Quem pensa como eu?
Alguém quer trazer o dia de volta à vida ou vou ter que nascer e morrer neste mundo vampírico?
Não suporto mais estes vampiros, mas não os vou atacar... não.
Eles só morrem de fome, por isso, vem comigo.
Que comece o dia!