segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Golpe de asa

Numa manhã de outono,
Com o primeiro raio de sol,
Abriu-se, pela primeira vez, um bico maduro para cantar.

Entre ramos, ervas secas,
Papéis e plásticos incolores,
Abriu-se, pela primeira vez, um par de asas para voar.

Desprotegido, de tanto protegido,
Caiu e sentiu, pela primeira vez, a textura da terra.

O bico calou de medo,
O saltitar tornou-se espelho do nervo pulsante.

Até que, com um bater de asas desesperado,
Planou.

Saltou mais...
E voou.

Numa tarde de inverno,
Com o enésimo raio de sol,
Largou uma telha e voou.

Ainda hoje não sei se aterrou.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Boneco de Neve

A roupa fria e húmida gela-me o corpo e o pensamento.
Mais nada povoa a minha aldeia de ideias,
pois, agora, não me consigo concentrar em nada
para além do frio.

Passei uma vida sem conhecer frio.
Tu, provavelmente, também não o conheces.
Mas isto, sim, isto é frio.
Eu já nem sei onde estou.

Sei apenas que está escuro,
que me caem balas dos céus em cima,
que já nem força tenho para tremer
e que tenho esperança que me oiças.

Estarei num deserto?
O ruído é tanto que estou surdo de tanto ouvir.
Estou cego para lá da estática,
mas era capaz de jurar que te vi passar por mim.

Não deveria ser capaz de pensar em mais nada, agora.
Não sinto as mãos, os pés, o nariz e os lábios.
Ao menos os últimos ainda se mexem para te pedir ajuda.
Só sinto frio... e a água que me gela a queimar-me o peito.

Juro que dói.
Se não doesse, não dizia.
A minha mente parou... congelou.
Mesmo assim... lembro-me de ti.

Já nem consigo...
Já não dá para...
Preciso...
Vem.