domingo, 25 de novembro de 2018

É segredo nosso

É segredo nosso
O valor que cada palavra tem.
Cada toque da caneta no papel
Cada dedo que pressiona uma tecla
Cada som que me sai dos lábios
Cada sussurro aos teus ouvidos.

Cada pedaço de mundo,
Quer seja meu,
ou teu,
ou de nenhum dos dois,
É segredo nosso.

Cada vazio inesperado
Cada solidão partilhada
Cada silêncio pronunciado
É segredo nosso.

É segredo nosso
Cada momento partilhado.
É segredo nosso
cada interpretação disto.

Cada verso que lês,
Sim, tu.
Cada pensamento que tens
Cada palavra que te surge,
Cada questão que formulas,
Cada resposta que não encontras,
Tudo isso
É segredo nosso.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Ecrâ

Contemplo a minha existência através do ecrã.
A cada pixel ligado me vejo mais desligado;
a cada like, partilha, comentário me sinto menos amado;
e para quê?

Para quê a ânsia do seguir para ser seguido,
quando gosto é do anonimato.
Para quê o ver se viu ou não,
se não esteve lá.

Aí está...
Quem estava lá?
Eu estava.
Mas quem mais?

Os meus olhos tornaram-se lentes sociais,
a minha voz e face tornaram-se cliques e emojis.
A minha identidade tornou-se pública,
presando tanto eu o privado.

Já me sugerem amigos;
amigos de amigos com quem nunca falei,
mas que gostam de coisas que partilhei,
para os meus verdadeiros amigos... que estão online.

E quando eu estou offline?
Eclipso-me do mundo onde estou.
Já não sei a trama da novela do chat de grupo,
Ou os planos para ir sair.

Mas quando é para sair eu vou!
Com os meus irmãos de coração,
com quem só estive se houver um flash ligado
e um telemóvel na mão.

No que isto tudo se tornou...

Para completar o ciclo do verdadeiro frustrado,
aqui estou eu, em total hipocrisia.
A escrever num retângulo iluminado,
na esperança do leitor, do gosto e da partilha.

sábado, 22 de setembro de 2018

E se as ondas fossem escadas para o céu?

E se as ondas fossem escadas para o céu?
Enquanto a maré cheia vaza
e o seu estrelado permanece imóvel,
eu contemplo o som do ir e voltar.

Espreito na ponta da falésia,
sem que o coração bata.
Vejo a espuma enegrecida pela noite,
a raiva que volta da dor que antes fora.

A paz que outrora o mar trouxera
é agora máscara de som de cada soluço meu.
Cada lágrima que cai do meu rosto
perde-se na escura imensidão do horizonte.

Nesse momento me questiono:
E se as ondas fossem escadas para o céu?
Cortaria uma noz ao meio
e embarcava numa aventura.

Lançava-me ao mar em busca de um tesouro,
com uma bússola para me ajudar a descobrir
que o importante é a viagem
e não chegar onde quero ir.

E se as ondas fossem escadas para o céu?

Gostaria de ser peixe, 
como tantos perto de mim.
Mas não é por ter pernas e braços que deixo de ir ao mar.
Subo a bordo e sozinho estou prestes a zarpar.

Quando largo a costa oiço vozes a gritar.
Olho um última vez para o lugar onde espero não voltar,
Vejo rostos com sorrisos e lágrimas a cair,
vejo carpideiras prontas e a maré a subir.

Respiro fundo a maresia que só me toca a mim,
Fecho os olhos para lembrar o que está antes do fim.
Largo um grito onde ecoa toda a raiva e a dor,
para que possa ser ouvido onda o mar se vai pôr.

As ondas são escadas para o céu.
Por isso digo adeus ao que vivi até aqui.
Agora vou galopando num caminho sem fim,
Sabendo que quando afundar me despeço de mim.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Stop

Para tudo!
Estamos quietos,
a olhar um para o outro,
nada à nossa volta se mexe.
Respiramos em harmonia,
piscamos em conjunto,
parecemos um reflexo do que temos à nossa frente.
Um sorriso surge de cada lado da tela
e tentamos tornar isto no infinito.

Tic... tac...
Cabrão...
Estragou tudo outra vez.
O relógio tosse para chamar à atenção,
lembra-nos, como se fosse um ser superior,
que o tempo passa.
Vá lá, por favor, por uma só vez
deixa-nos ter isto!
Deixa-nos ter o nosso infinito!

Desviamos os dois o olhar,
suspiramos e pronto,
a magia desapareceu.
Olho para ti e vejo desilusão:
«Este não é o meu E viveram felizes para sempre
Pois claro que não é!
Nessas histórias não há nada depois!
Eles têm direito ao seu infinito,
ao seu beijo mágico, ao amor eterno.
Nós não.
Estamos presos a estes momentos que,
pelos vistos, te sabem a pouco.

Será que sabem a pouco?
Quer dizer...há malta que se ama...
Por que razão não podemos nós também fazer o mesmo?
Tu olhas para mim como se eu tivesse dito uma barbaridade,
mas só por um segundo.
Depois percebes que estava a falar a sério,
na minha loucura, claro.
«Está bem!»
O quê?!
Está bem?!
Aceitas isto assim?
Amor, carinho, afeto,
desilusão, tristeza, mágoa?
Tudo junto?
Não queres um conto de fadas?
Queres isto, algo real?

Eu fiquei com um ar de surpresa
enquanto à minha frente só via um sorriso à aproximar-se.
Os meus beijos sentiram os teus.
Bem, quem diria que pode ser tão simples.
Até gostava que fosse.
Mas acabei de acordar de um sonho,
percebendo que, afinal, ainda não estavas à minha frente a sorrir.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Nuvem

Qual é o peso de uma nuvem?
Deito-me na relva,
Sento-me num banco de jardim,
Olho pela janela de um quarto,
Espreito amedontrado num avião
E nunca penso verdadeiramente no assunto.

Parecem ovelhas a flutuar,
Algodão doce a encher o céu,
Algo que está lá para cima e que não cai.
Não será tão pesado assim, certo?

Num dia de chuva percebo um pouco mais,
Já não é tão leve e bela assim, a nuvem.
Ela muda de cor, ela cai sobre mim,
Gota a gota...

Não sei quanto a ti,
Mas eu tenho uma nuvem que é só minha.
É aquela ali mesmo, ao lado da tua,
Consegues vê-la?

A tua sorri, branca e pura como uma pomba.
A minha...
Não sei bem,
Depende do dia.

Hoje, ela está pesada e cai em mim.
Sinto o seu peso,
Pouco a pouco,
A tornar-se meu.

Não gosto que seja assim.
Eu não escolhi o dia em que ia chover!
Não trouxe guarda-chuva,
Não estou com botas calçadas,
Não estava à espera que a minha nuvem decidisse cair.

Ela agora pesa-me.
Daqui a pouco vem o sol,
Vai-me secar,
Vai fazer um arco no céu,
E na minha face ele será refletido.

Olha, que bonito...
O céu azul,
Sem nuvens!
Ah, calma...
Aí vem a minha nuvem outra vez.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

O Nazareno

De uma onda surge a gritar,
os primeiros passos dados,
cambaleando na areia molhada,
na promessa de crescer para se aventurar.

Em sorrisos e conversas cresceu,
de pé descalço como nasceu,
com a fome chata na barriga,
nem por isso a vida perdeu.

Entre donzelas a mais bela escolheu,
entre amores prazer sentiu e sofreu,
unindo-se  por fim,
àquela que uma vida lhe prometeu.

Os tambores bélicos começaram a soar,
de papel e lápis no bolso foi então lutar,
apenas para descobrir, já lá,
que lhe sorriu a sorte em vez do azar.

De volta à pátria,
três vezes fez a magia da vida funcionar,
no meio de copos, pratos, conversas junto ao mar,
num lar ainda por quebrar.

A alma de poeta boémio acabou por vencer,
em busca da solidão feliz deitou tudo a perder,
entre sangue, suor e lágrimas,
uma história só sua não deixou de escrever.

O tempo não parou nunca para o ver,
novos sorrisos acabou ele por conhecer
e sem nunca deixar de se ser fiel,
como a maré partiu e deixou de ser.

Para nunca mais ser visto igual,
para nunca mais ser ouvido igual,
para nunca mais ser sentido igual,
para sempre ser lembrado tal e qual.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Tango

Nasce uma nova aventura.
Uma cruzada pelos teus confins,
batalha de sangue, suor e lágrimas,
em busca do Graal da nossa fusão.

As cores das ruelas vibram no olhar,
os aromas da terra trazem vida,
cada som uma nova sinfonia
e cada textura uma nova perdição.

Perdemo-nos de corpo
numa solidão partilhada
onde o silêncio falava,
onde o tempo não era Deus.

Momento a momento,
paixão a paixão,
cara rosada,
copo na mão.

Num banco sentados,
mentimos os dois,
enganados pelo mistério
do que virá depois.

Partilhamos olhares,
toques nas mãos,
sonhos de beijos profundos
em cima de um colchão.

A magia está no olhar,
na história de cada mente,
a vida é mais romântica
para quem só sente.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Solidão

Tinha saudades tuas.
Senti falta do teu gélido corpo,
Do teu abraço penetrante,
Do teu carinho duro.

Não via a hora de te ter por perto.
Chamei tanta vez por ti.
Quando mais precisei tu não estavas lá.
Agora... sou teu prisioneiro nos meus sonhos.

Todos te conhecem
E mais ainda falam de ti,
Mas ninguém te conhece como eu.
Ninguém te ama como eu.

Não gosto de falar de nós.
Somos duas almas perdidas
Que se encontraram no acaso
E viram felicidade nas suas tristezas.

Não me lembro como te conheci.
Foi há uns anos, penso eu...
Desde aí que nunca mais te perdi,
Fazes parte de um mundo só meu.

A tua frieza fascina-me,
A tua distância magoa-me,
A tua estranheza faz-me amar-te.
Sim, só a ti, Solidão.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Água Salobra

Os olhos abrem-se com medo,
a cegueira luminosa desvanece
e provas milenares da força da Terra se mostram diante nós.

Um suspiro profundo chega,
os meus olhos focam no céu a meus pés
e o canto das lindas bestas chega até nós.

Sentados a contemplar falamos.
A conversa flui como um rio invisível,
que acaba por chegar à imensidão do mar.

As águas paradas à nossa frente mentem.
A corrente forte do rio causa-me ânsia,
quero conhecer a bravura da maré!

Eu sonho com ondas...
A cada palavra dita sinto mais o sal,
sinto as lágrimas desse mar, desse tão imenso mar.

O que vai ser de nós?
A memória da nascente eclipsou-se
e o segredo da foz está por desvendar.

Como será chegar ao mar...?
Perder-me-ei de ti?
Ou iremos conhecer o mundo novo?

domingo, 25 de março de 2018

Romantismo niilista

É como estar enfeitiçado...
aquele sorriso largo e pintado,
o olhar profundo e desafiante
que me perfura a alma suavemente.

É rir sem medo do ridículo,
é chorar sem medo de sofrer,
é dançar na cozinha enquanto se faz o lanche,
é partilhar uma música que fala o nosso silêncio.

É isto tudo e muito mais,
Amor é olhar, é pensar, é sonhar...
é sobretudo aquilo que é contigo.
Pelo menos é o que eles dizem.

Eu não sei.
O quão inúteis são estas palavras bonitas?
De que serve este romantismo?
Para quê prometer o mundo
se nem um minuto de silêncio conseguimos oferecer?

Eu olho pela janela e penso em ti.
Eu penso nestas palavras bonitas.
Eu penso no mundo que temos para explorar juntos.
Porém, acabo por me perguntar:
quem sou eu afinal para te poder amar?

terça-feira, 13 de março de 2018

Altifalante

Palavras saem incessantemente,
a boca fala, a mente não consente,
a verdade vem à conversa,
o medo já não interessa.

Um olhar responde sem o ruído do som,
um sorriso natural como um dom,
uma chaga no peito de dor escondida,
uma solidão que é compreendida.

Para outros um pilar que promete não cair,
para mim uma força a retribuir,
um sonho de uma felicidade alcançada,
uma tentativa de acompanhar de mão dada.

As luzes da rua assistem à despedida,
o pensamento processa cada palavra vivida.
Agora, na solidão do meu andar,
resta-me nada a não ser sonhar.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Cabo das Tormentas

A luz desvanece,
O calor aumenta,
A solidão partilhada toma o seu lugar predileto
E a besta sai do seu refúgio.

O Adamastor outrora derrotado
regressa para assombrar o navio solitário na nova penumbra.
O capitão grita o seu peito fora para o silêncio o ouvir.
As velas dançam com o riso do Monstro.

A chama congela,
As ondas embalam a noz impacientemente.
O choro mudo da criança é ouvido pelo surdo no penhasco.
O salto de fé acaba com a esperança de um dia poder voar.

O céu chora ao rir do pobre aventureiro.
O naufrágio está para breve,
mas o capitão fecha os olhos e acaba por sorrir.