quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Do inferno para ti

O eco vazio da noite ouve-se
por todas essas negras ruas
onde hoje reinam os flashes
e outrora reinavam porcos e mulheres nuas.

Julgamos a civilização antiga,
absorvemos a sua podridão,
lavamos a putrefação de fora,
mas o espelho reflete o velho chão.

Celebramos a noite que vai longa,
sem mais medo dela ter,
bebemos hoje para imitar
imitar o que os outros tentavam esquecer.

Procuramos o instinto,
fugindo metodicamente à razão,
refugiamo-nos em copos e filtros,
evoluímos para a desumanização.

Perdi a fé em todos,
até já a perdi em mim,
pois o presente desta vida é
nascer e morrer neste inferno sem fim.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Beijo

A sedução e o encanto que entre as pessoas são assuntos delicados. Tudo pode ser resumido a simples sinapses, a ligações nervosas no cérebro do ser humano, porém, considero essa uma explicação demasiadamente redutora quando consideramos relações humanas.
O olhar intriga inicialmente, sendo a visão o sentido que mais nos liga ao mundo que nos rodeia, perseguimos o outro com a nossa atenção matreira, tentando descodificar um pouco da sua natureza. Observamos o comportamento, enfeitiçamo-nos  com o que vemos e deixamo-nos levar, muitas vezes, pela ilusão criada.

Contudo, quando, num momento intenso, o toque toma lugar, podemos desligar qualquer outro sentido e somos absorvidos na futura memória de uma troca de sensações. O melhor exemplo disso mesmo é, para mim, o beijo. Fechamos os olhos, desligando-nos do mundo e a nossa realidade passa a ser apenas aquilo em que os nossos lábios tocam. A verdadeira magia ocorre quando os nossos lábios tocam noutros. O corpo reage por inteiro ao suave toque salivado e nada mais nos interessa sem ser aquele momento.  A harmonia perfeita conseguida entre as duas pessoas, que trocam pedaços do seu ser, comunicando sem nada dizer, apenas materialização o encanto e a paixão sentida leva-nos para  uma dimensão estranha. A sedução toma controlo de nós e contamos uma história em passos simples. A narrativa intensifica-se quando os personagens deixam de ser apenas os lábios, a respiração profunda aumenta a tensão e o toque entre mãos levam a um clímax que se desenlaça na despedida entre bocas. Se o encanto persistir, uma nova história é criada e a cada beijo mostramos mais de nós - a intensidade, o ritmo, a dinâmica, a complexidade do beijo acabam por refletir parte de nós, num momento de fragilidade em que partilhamos e dançamos a dança da sedução com um terceiro.

A banalidade do beijo contrasta com a sua importância e com a sua dimensão, pois com ele se percebe os fundamentos da relação. A sensibilidade do beijo é o modo como expõe quem o dá, as suas intenções, o seu sentimento - se é fervoroso e intenso ou vazio e desligado. Ele comunica sem falar, ele ensina sem forçar.