sábado, 17 de dezembro de 2016

Cidade

As luzes incandescentes dos painéis luminosos seduziam o meu olhar à medida que explorava as ruas da cidade em busca de um poleiro onde me pudesse sentar ao balcão peganhento e ressequido junto dos marinheiros, pedreiros, operários, pais deprimidos e velhos frustrados. Enquanto deambulava pelo bosque mágico de betão e espelhos gigantes (que apenas serviam para uma pessoa passar o dia inteiro acompanhada do seu ego) sentia o cheiro das sarjetas, do pneu queimado de travagens bruscas e o doce e enjoativo perfume das «dondocas» que entravam nos restaurantes «chiques» da cidade, deixando um rasto a anunciar a sua presença e o seu percurso. O som da cidade era também encantador e terrivelmente perturbante - desde o som dos motores a funcionar e das buzinas dos carros; aos grandes temas musicais populares entre os incultos deste mundo e ao murmúrio das incontáveis conversas a que assistia enquanto andava. Tudo aquilo que ouvia, cheirava e via era complementado pelo frio que sentia, pela solidão que invadia o meu ser enquanto estava naquela multidão. Sentia a crise de valores da sociedade quando um desconhecido chocava comigo e eu me virava para dizer uma simples palavra-desculpe-, mas ele já estava no meio da multidão, perdido de mim para todo o sempre. Esta vida só vale a pena enquanto eu puder chegar ao tal balcão peganhento e pedir um licor com umas pequenas pedras a flutuarem, tal e qual os icebergues junto da Antártida... E o curioso é que seria menos solitário viver lá.

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