sábado, 22 de julho de 2017

Pureza: aspiração a perfeição e fonte de perdições

«Consideramo-nos puros enquanto desprezarmos aquilo que não desejamos», frase de Marguerite Yourcenar.

Para quê a constante demanda pela pureza? Seja qual for a forma que esta assume, cada um de nós, em algum ponto da nossa vida consciente já procurou (ou ainda procura ou procurará) alcançar pureza. A pureza é assumida como um fim, um estado ao qual nós, ou parte de nós, chega sem que seja necessária posterior mudança. A partir do momento em que a pureza é «nossa» deixamos de desejar, desprezando assim tudo aquilo que, por sua vez, deixa de ser desejado.

O desprezo aqui surge de um sentimento de superioridade concretizado através da noção de que a pureza é o mais próximo que temos da perfeição (se não é que partilham ambas da mesma essência) e que, por isso, tudo o resto, que não mais desejado por ser, obviamente, desnecessário, é-nos inferior, não merecendo qualquer réstia de compaixão e compreensão, restando-lhe apenas o desprezo.

Contudo, este mesmo desprezo assinala, exatamente, a chegada à «meta», o que nos leva a concluir, erradamente, que nada mais existe para lá da nossa pureza. Esta triste situação não nos deixa qualquer outra opção senão conformarmo-nos com o nosso estado perpétuo de estagnação. Se tal acontece, o que sucede o fim desta demanda? A resposta mais evidente é,  certamente, nada. Que mais existe para ambicionar se toda a existência que não é nossa é por nós desprezada? Aqui está o problema da pureza.

É com base em todo este processo que eu acredito que a pureza, enquanto aspiração/ parte do conceito de perfeição acaba por ser uma fonte de perdições, acaba por se transformar em algo vil. A procura pela pureza é, no entanto, naturalmente humano, resultado da perceção da própria imperfeição da vida e prova concreta da natureza ambiciosa da nossa espécie (este é o único conforto que retiro desta realidade).

Assim, em vez de responder de forma perfeita à questão que coloco no início deste meu raciocínio (pois isso ser-me-ia impossível), eu opto por apresentar uma possível solução para o problema da necessidade de pureza nas nossas vidas. Eu proponho a renúncia à estagnação, principalmente de pensamento. Este é o maior corolário da procura pela pureza ou pela perfeição, quando as possuímos paramos. Se é para estarmos parados, para quê existir? Uma atitude moderadamente cética combinada com uma insaciável curiosidade é, a meu ver, o modo idealmente imperfeito de impedir a queda na sofredora cruzada pela inalcançável pureza.

Sem comentários:

Enviar um comentário