segunda-feira, 7 de agosto de 2017

A.A.: Arte Agora

Como um pianista,
que molda a melodia,
que constrói a harmonia
pressionando aquelas teclas
mecanicamente batidas de alma nos dedos,
também um escritor,
que molda o léxico,
que constrói um mundo,
pressionando a ponta da caneta
mecanicamente fluindo na folha de papel.

Um profana as escalas,
outro ridiculariza a sintaxe.
Ambos cientes que,
da sua loucura,
arte será o produto.

Um grava o próprio som,
outro agrafa as folhas soltas.
Um ouve o seu devaneio,
outro lê o seu sonho.
Ambos choram e gritam,
rasgam e partem
na fúria da crítica mais severa de todas.

Sempre insatisfeitos,
cometem a maior loucura,
tornam o que fora seu de todos.
À mercê dos abutres,
dos vários caçadores,
deixam de ser donos do próprio trabalho.

Um espera ser ouvido e trauteado,
outro espera ser lido e citado.
Ambos esperam escapar das amarras da morte,
ambos procuram fugir ao esquecimento.

Após o choro e a raiva,
surge a pequena esperança
que alimenta os pobres artistas
sem lhes dar comida.

O tempo padrasto não para,
não esperando que o fruto amadureça
continua até à época de colheita.
Os nossos dois sonhadores,
agora desprovidos da sua liberdade,
da independência que tanto aclamavam,
esperam só os aplausos e os sorrisos.

O tempo continua sem parar,
o pianista anda pelas aldeias a falsear,
o escritor passa a escrever postais,
já nenhum deles consegue sonhar mais.
O choro e a raiva vencem a esperança,
já nem o diabo lhes concede uma dança,
fecham-se num quarto em plena escuridão
e dizem adeus lembrando apenas o nosso «Não!»

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