domingo, 14 de maio de 2017

Culto pagão

Um templo de colunas erguidas
Troncos marmóreos do progresso.
Fruto do culto da transformação do meio
e da paixão pela rigidez.

Colunas que não cedem,
nem na guerra contra o mestre tempo.
Mães de filhos que vieram a ser,
sem dúvida, vigas de metal.

Exatamente com a tal.
Filha de todo este culto,
eternamente cercada pelos pilares,
para lá dos quais eu sou somente um vulto.

Um vulto que dança ao vento.
Filho de um templo diferente,
nascido do ventre atento,
fruto da raiz natural.

Um galho.
Despido de folhas na primavera da vida,
contra-natura, não é?
Seria, se não fosse um galho caído.

Os galhos cedem, sabias?
Não são como os alicerces desse templo,
 sustentam apenas um templo natural,
um que se rege pelo mestre tempo.

Cedi uma vez, para bem dessa gente,
auxiliei na agricultura do não ceder, cedendo.
É que quem é galho tudo sente.
E eu, que galho sou, fui sentindo e morrendo.

Caído no chão brevemente empedrado
está o tal galho tantas vezes quebrado,
tentando ser naturalmente forte, resistindo,
acabando por ser apenas mais um indo.

Ninguém se lembra dos galhos que caem das árvores,
Mas as palavras escritas no seu papel já são recordáveis.
Mais ainda ficarão na memória as virtudes dos fortes pilares,
aqueles que nem no nunca vão pelos ares.

O galho cai na esperança de ser dois ou três,
deixando sempre o fado para o tempo,
para toda a natureza decidir.
No meio de tanta incerteza, para quê cair?

Por alguma razão, não cair é visto como progresso,
não ser a vida assim é o que peço,
mas que mais pode pedir um simples galho,
um braço destinado para sempre a cair.

Por entre as colunas vês o galho a ceder,
o vulto que te surge na vista livremente a cair.
Diz-me então o que te faz sentir!
Saber que do lado de lá está tudo a morrer.

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