segunda-feira, 22 de maio de 2017

Escala quebrada

«Sentencio todo o sentimento proveniente destes sons a ser puro!». Esta promessa que eu fiz a mim mesmo quando os meus dedos se afundaram entre duas daquelas teclas brancas e pretas. Inocente era eu por não saber que assim entrei numa espiral de mágoa e alegria, da qual só me libertarei quando o meu coração se deixar de ouvir.
As melodias da minha evolução criam marcas mais profundas no meu agir do que na memória. A sensibilidade desenvolvida permite-me entender algo que não é dito por palavras,  posso conhecer de olhos fechados, de mãos atadas e ouvidos cerrados, basta sentir. O dó que vibra em cada um de nós, sendo que cada um sol faz de si algo para lá do que em mi tenho, mas que mesmo assim, o ré e o fá são as peças que eu encaixo livremente, sabendo que algo ficou por dizer, mas nada por sentir.
O pé não me sai do pedal e eu paro no tempo, aproveitando cada segundo de inércia como se fosse a sua própria eternidade. Por mais que o pé permaneça a fundo, tudo acaba por se desvanecer, deixando-me no silêncio, somente com a memória da harmonia que outrora retirou o tempo de mim e me levou para um espaço onde eu estava só com o tudo que existia e o nada que faltava existir.
Aceito o presente que o tempo me deu e levanto o pé do pedal, para o voltar a colocar com o mesmo peso de anteriormente, agora com novas notas a ecoar no espaço-tempo que manipulo ao sentir tudo aquilo que não é dito nem feito, não é nada sendo tudo!
Toda esta espiral de mágoa por ver o fim e de alegria ao estar no início é produto de tua causa!
Só um louco fala sem nada dizer e age sem nada fazer, mas é nessa linguagem que me pedem que eu viva. Esperam que a palavra não passe de um artifício supérfluo em toda a nossa realidade. Porém, a palavra só existe na realidade que é nossa, não podendo ser considerada um adereço descartável, tal e qual a vida de cada um dos nossos dias. A palavra é mais que isso, é o som com o sentimento direcionado, é uma nova magia que surge das cinzas da que a precedeu. É música sentida e descrita, é o pináculo da humanidade, a distinção da besta do belo.
Temos o poder de falar, de combinar o sentir com o pensar. Temos a responsabilidade de não deixar que se extinga a música que vagueia no ar.

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