quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O Terror do Não

Sobre cada risco por nós tomado está implícito o receio de um «Não». A possível rejeição assombra a antecipação de um momento, de uma questão, de uma confissão ou até de um simples ato.

A meu ver, este medo tem o seu expoente máximo nas questões amorosas. A justificação para tal passa pela intensidade do sentimento em questão - o desejo de ser aceite ganha proporções de tal modo épicas que a decisão de nos abrirmos desse modo a outra pessoa acaba muitas vezes por tornar toda a narrativa formulada nas nossas mentes numa aventura credivelmente protagonizada por Ulisses. Quando somos confrontados com essa rejeição o nosso mundo desaba e a tendência é transformar o «Não» em combustível para a destruição do amor-próprio. Nesse momento, a pessoa que nos rejeita sobe a um pedestal e nós engrandecemos a nossa pequenez, desvalorizamo-nos e apenas encontramos justificações para a tal rejeição que nos culpabilizam e nos fazem sentir insuficientes para agradar a pessoa em questão. Porém, se pararmos para pensarmos nos momentos em que somos nós do lado oposto da rejeição, é-nos facilmente percetível que dizemos «Não» sem desvalorizar o outro ser, apenas sabemos que essa pessoa não faz parte dos nossos planos do mesmo modo que nós fazemos parte dos planos dela. Esta consciência é essencial para apaziguarmos a dor e para conseguirmos aceitar o sucedido.

Apesar de sermos tomados pelo medo da rejeição, é fulcral ter em mente a aceitação. Já Stendhal afirmava no século XIX «Sempre uma pequena dúvida a acalmar, eis o que faz a sede de todos os instantes, eis o que constitui a vida do amor feliz. Como o receio nunca o abandona, os seus prazeres não podem nunca entediar.», ou seja, apesar de termos o receio sempre presente, é necessária a confiança no «Sim» para conseguirmos agir de forma natural ao longo da nossa vida. Se nos considerarmos seres meramente rejeitáveis, a rejeição fará parte até da compreensão do nosso próprio ser, seremos, até para nós, não merecedores de um «Sim». A aceitação do próprio é um passo inicial para a confiança na iniciativa com terceiros. Quando nos aceitamos, o receio passa a ter apenas o papel que Stendhal descreve: é uma fonte de prazer no amor, é o leve receio de rejeição que nos motiva para o constante melhoramento e para o incessante esforço de amar e fazer por ser amado.

Assim, o «Não» acaba por ser visto de vários modos, sendo que apresentei aqui dois deles - um extremamente pessimista e indexado à miséria ao estilo de Schopenhauer; outro seguindo a visão de Stendhal, onde o receio dá força e não o contrário.

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